Trocando de biquíni sem parar
Em tempos dantes navegados, 31 de março era celebrado na escola como o Dia da Revolução (sic) de 1964, e éramos obrigados a pintar bandeirinhas do Brasil e a cantar o Hino Nacional no pátio do colégio. Com as mãos encostadas no peito, soltávamos nossas vozinhas agudas em uníssono, repetindo mecanicamente uma letra hermética, como se isso fosse capaz de despertar ufanismo em alguém. Oras, é como esperar que um moleque de 11 anos vá criar gosto pela leitura depois de ser obrigado na escola a ler Iracema ou Eurico, o Presbítero. Mas, no meu caso, o Hino soava mais nonsense ainda. Porque, na maior das convicções pueris, eu cantava a seguinte pérola: "Elvira do Ipiranga às margens plácidas". Passei anos intrigado com o misterioso papel de Dona Elvira na proclamação da independência, especulando se não era um pseudônimo da Marquesa da Santos.
Anos mais tarde descobri uma expressão, aparentemente criada por Paulo Francis e difundida em uma charge do Henfil (na época do primeiro Pasquim), para definir essas ocasiões em que a cabeça da gente viaja longe e recria maionesicamente letras de música: "virundum". Inspirada, bobviamente, pelo fatídico verso inicial de nosso hino, que até hoje causa lapsos em patriotas incautos e jogadores da Seleção, ao cantarem coisas como "verás que um FILISTEU não foge à luta" ou "do que a terra MARGARIDA". Há uma expressão mais contemporânea: "dibikini". Originada por um velho hit do grupo Brylho, Noite do Prazer: "na madrugada vitrola rolando um blues/ tocando B. B. King (ou: trocando de biquíni) sem parar".
Os americanos também possuem um termo para isso: "mondegreen". Para que vocês vejam como a história é antiga, a expressão data de 1954, quando a jornalista musical Sylvia Wright confessou, em um artigo, que havia entendido "lady Mondegreen" no verso de uma canção que dizia "and laid him on the green". No site Kiss This Guy é possível encontrar mais de 2.500 exemplos de letras involuntariamente modificadas. Eye of the Tiger, a música-tema de Rocky, o Lutador, tornou-se "Ivan the tiger". Love in an Elevator, do Aerosmith, virou "loving an alligator". E daí pra pior.
Aqui no Brasil, o "mondegreen" mais hilariante que conheço foi descrito por Mário Prata. Uma amiga dele confessou que, ao ouvir Ciranda Cirandinha, entendia que o verso "o amor que tu me tinhas era pouco e se acabou" significava "o amor de Tumitinha era pouco e se acabou". Para ela Tumitinha era o diminutivo carinhoso de Tumita, um garoto japonês que se decepcionava demais toda vez que se deparava com a volatividade de suas paixões. Quando descobriu que o tal garoto não existia, sofreu pra burro. Parece que ela faz análise até hoje.
Uma grande "especialista" em virunduns é minha amiga Patricia Correia, a Sra. Pedro Vitiello. Que, ao cantar o tema do Sítio do Pica-Pau Amarelo, em vez de "bananada de goiaba, goiabada de marmelo", cometia: "banana a dar de goiaba, goiaba a dar de marmelo".
Outra amiga minha que repassou exemplos ótimos de virunduns é Maria João Amado, a mãe da Júlia. Repasso a palavra a ela:
"Eu tenho 2 músicas que juropurdeus que ouvia diferente: uma é 'Como Nossos Pais'. Naquela parte do 'contando o vil metal', eu entendia 'cortando fio dental'. E a outra é uma música de Luiz Gonzaga que diz: 'Luiz respeita Januário.../ Respeita os oito baixos do teu pai'. Eu entendia, e cantava: 'respeita os 'ovo baixo' do teu pai'. KKKKKKKKKKK
Tem uma outra historinha bonitinha de meu irmão mais novo. Um belo dia saímos em família para lanchar na McDonald's recém-inaugurada (isso foi em 87), e Jonga, meu irmãozinho, do alto dos seus 7 anos falava que os Beatles isso, e os Beatles aquilo. Meu Big Brother (irmão mais velho), já de saco cheio da falação, intimou:
- Você conhece os Beatles?
- Claro. Conheço muito.
- Ah, é? Então diga pelo menos 1 música deles.
- Fácil. Tilóptium!
(todos juntos) - O quê?
- Tilóptium!
- E que música é essa?
- Aquela... Tilóptium yeah, yeah, yeah..."
Vai, confessa aí: qual foi o pior "virundum" que você já cometeu? Compartilhe suas recriações musicais no espaço dos comentários...
segunda-feira, 12 de abril de 2010
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Djavan, o "Grande Muso Inspirador" dos virunduns
ResponderExcluirQuando Djavan Caetano Viana nasceu, em 27 de janeiro de 1949, ele mal poderia imaginar que um dia se tornaria um dos maiores responsáveis pela profusão de virunduns mundo afora, inspirando a criação de vários tópicos em nossa comunidade no Orkut. Culpa, digamos assim, da poética de suas letras um tanto quanto singelas. Um exemplo típico é a letra de "Açaí", sucesso do álbum Luz de 1982. Os versos de seu refrão dizem o seguinte:
"Açaí
Guardiã
Zum de besouro
Um imã
Branca é a tez da manhã"
Já para a nossa leitora Luciana Teixeira, a letra significava o seguinte:
"A sair
guardiã
Zumdibizum
Um limão
branca é às
Três-da-ma-nhã"
Seu comentário: "Ah, eu gostava do zumdibizum. Devia ser alguma coisa como uni-duni-dunitê, salamê-minguê".
Lorena é outra internauta com ouvidos distraidamente criativos. Eis a sua versão:
"Ao sair do avião
Rum de tesouro
Uma irmã
Grande é a fez da manhã"
Umberto Eco, ao teorizar sobre obras abertas, certamente piraria ao descobrir as letras djavânicas: cada cabeça, um virundum. Outro exemplo cRássico é "Oceano", sucesso de 1989 incluído na trilha sonora da novela Top Model. A letra original diz:
"Amar é um deserto
E seus temores
Vida que vai na sela
Dessas dores"
Já para os leitores do Virunduns...
Patricia Louise Affonso
Um virundum que eu SEMPRE cometia é na música do Djavan... Na parte do "Amar é um deserto e seus temores..." eu cantava "Amarelo deserto e seus temores...". Até que fazia sentido, não???? :-)
Luckystrike
Certo: amar é um deserto e seus temores...
Virundiana: amar é um deserto e OS TRÊS TENORES
KFK
Putz, e eu cantava "a maré é um deserto e seus temores"... Eu não entendia o significado - como algo molhado pode ser seco????
O alagoano Djavan é inspiração pra tudo quanto é tipo de virundum. A seguir, outros exemplos pra dar e vender:
Vinicius
Uma clássica minha é a música "Se" do Djavan. Em vez de eu cantar "Mais fácil aprender japonês em braile / do que você decidir se dá ou não", eu cantava "mais fácil aprender japonês e hebraico / do que você dizer se me dá ou não".
Gangorra Um
Uma fonte de inspiração fortíssima para meus virunduns é o Djavan. Eu simplesmente não entendo xongas do que o cara fala. Daí sai essas coisas maravilhosas do tipo "O amor é um grande lago..." (correto: "O amor é um grande laço"), e a pior de todas, "Você me diz a peça e é nessa que eu vou..." (correto: "Você me diz à beça e eu nessa de horror"). Horror mesmo...
Rodrigo Della Libera
"E o meu jardim da vida, ressecou, morreu, do breque brotou maria, nem margarida nasceu...."
Renata
Naquela música "Nem Um Dia" eu cantava "o elo com todas as cores para enfeitar amores, crimes...(!?!)". Na verdade, o certo é "amores gris" (cinza)... Haha!
Andie
Tem uma música do Djavan que eu adoro, "Nem Um Dia", que eu sempre cantei assim: "E tudo nascerá mais belo/ O verde faz do azul com amarelo/ O elo com todas as cores/ Pra enfeitar ÁRVORES E RIOS" (o certo é "pra enfeitar amores gris").